O consumo de pornografia do ponto de vista sociológico

Maria Angélica Martins
3 min readOct 1, 2021

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Ao ler a entrevista com a Profª Hanna Björg ao jornal El País, me senti provocada a escrever sobre o assunto, principalmente porque, assim como ela, sou professora e lido cotidianamente com adolescentes e jovens.
A pornografia é, por vezes, o principal referencial da iniciação sexual dos jovens. Em famílias de classe social baixa, é comum que o acesso a esse tipo de conteúdo comece ainda mais cedo; adultos e crianças que convivem em espaços pequenos têm suas privacidades violadas. Essa iniciação, no entanto, tende a comprometer as experiências e os relacionamentos na vida adulta.
Do ponto de vista psicológico, a pornografia pode se tornar um vício como qualquer outro,pois libera dopamina no cérebro - o hormônio do prazer. À medida que se consome conteúdo pornográfico, o prazer se torna mais difícil de ser experimentado, levando o indivíduo a uma variação de estímulos até que ele sinta prazer novamente. Esse ciclo gera danos emocionais e sociais como a ansiedade social grave e a depressão. A ansiedade social afeta a convivência com amigos, familiares e colegas de trabalho. A depressão - desenvolvida devido à baixa recepção de dopamina no cérebro após um longo período de consumo pornográfico – faz com que o indivíduo não sinta vontade de agir, se sinta apático e sem energia.

Do ponto de vista sociológico – meu lugar de fala –, cabe considerar que, segundo dados disponíveis na internet, entre os que consomem conteúdo pornográfico, 72% são homens e 28% são mulheres. Isso monstra que a pornografia é normativa entre os homens. Seu consumo pelo público masculino é visto como fundamental à iniciação sexual e à vida adulta. Também é uma expressão de virilidade, que não se opõe – contraditoriamente – aos valores tradicionais e familiares de sociedades como a nossa (O Brasil é o 2° maior consumidor de pornografia, atrás somente dos EUA).

Diante disso, entre os efeitos nocivos do consumo de pornografia, podemos destacar:

1- A desigualdade de gênero é reproduzida e perpetuada através dos estereótipos afirmados nas produções pornográficas; a mulher é colocada como objeto de satisfação sexual dos homens e em posições subservientes.

2- A violência contra a mulher é naturalizada; segundo estudos, os vídeos pornográficos mais populares envolvem situações de agressão física e verbal contra as mulheres. De acordo com D’Abreu (2013), existe uma correlação estatística entre consumo de conteúdos pornográficos com violência e agressão sexual.

3- Pornografia infantil: os dados disponíveis na internet mostram que pessoas entre 35 e 49 anos consomem pornografia infantil. Por outro lado, em 2020 o Brasil registrou 14 mil denúncias de abusos sexuais infantis. Ocorre ainda casos em que as crianças são vítimas virtualmente através de links, sites e perfis, criados com personagens/desenhos, para atraí-las. É mais difícil quantificá-los, principalmente porque podem não ser percebidos pelos seus pais. Cabe apontar que 85% das crianças e adolescentes do país já são usuários da internet.

Em vista dos problemas levantados – a ponta do iceberg –, que benefício traz consumir pornografia? Por que não romper com essa cultura e indústria? Como escreveu Djamila Ribeiro para a Folha, "a pornografia move uma indústria bilionária", que "serve somente a quem lucra". Nesse sentido, a proposta da professora Hanna Björg é mais que bem-vinda, é fundamental!

Referências

ALFAGEME, Ana. “É preciso falar sobre pornografia em sala de aula desde a infância”. Brasil El País. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/04/15/actualidad/1555326715_093826.html#:~:text=%E2%80%9C%C3%89%20preciso%20falar%20sobre%20pornografia,esp%20Espa%C3%B1a. Acesso em 29 set. 2021.

TELE. SÍNTESE. 85% das crianças e adolescentes do país já são usuários da internet. Disponível em: https://www.telesintese.com.br/85-de-criancas-e-adolescentes-do-pais-ja-sao-usuarios-da-internet/. Acesso em: 29 set. 2021.

D’Abreu, L. C. F. (2013). Pornografia, desigualdade de gênero e agressão sexual contra mulheres. Psicologia & Sociedade, 25(3), 592–601.

Pornography Statistics. Disponível em: http://familysafemedia.com/pornography-statistics/#anchor3. Acesso em: 29 set. 2021.

RIBEIRO, Djamila. Pornografia move uma indústria bilionária que consegue ser invisível. Folha SP. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/djamila-ribeiro/2020/10/pornografia-move-uma-industria-bilionaria-que-consegue-ser-invisivel.shtml. Acesso em 29 set. 2021.

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Maria Angélica Martins

Socióloga e cientista da religião (UFJF/University of Copenhagen). Pesquiso, escrevo, ensino